quinta-feira, 15 de julho de 2010

Porque a SAUDADE existE

"A primeira saudade é a de um bem-estar fulgurante e tranquilo, de uma sensação que inunda alma e corpo por dentro e que nos leva a sentir que nada está fora do seu lugar, que se está certo nesse lugar e certo na relação de um com o outro, que tudo é musical e luminoso, que a harmonia está numa compreensão íntima a vir de uma tensão permanente de ternura, inteligência, sensibilidade e desejo.

A segunda saudade é a de ver e ouvir, de perto, de se estar ao pé um do outro, de haver olhos que se olham, caras que se vêem, risos deslumbrados que se têm, palavras que se dizem ou é como se fossem ditas, gestos que se fazem ou apenas se esboçam, e de se sentir que nisso se é naturalmente intencional nos recados que se dão por cada um desses meios, como se é naturalmente capaz de adivinhar e de decifrar tudo o que se quer realmente dizer.

A terceira saudade é a que se liga aos momentos mais importantes que se vivem, passeios e paisagens, deambulações, pessoas que se passam a conhecer, coisas que se contam, confidências repentinamente tornadas necessárias, sonhos e palpites, expressões que se surpreendem, efeitos de luz, flores, ruídos do campo e do mar, músicas tantas vezes ouvidas quando se atravessa a noite, cores e sabores, emoções em que o íntimo e o de fora se combinam de um modo único e partilhado como não se pode acreditar que a mais ninguém tenha acontecido, em que o que já se passou continua a estar presente e é cada vez mais intenso e activo.

A quarta saudade é a do contacto da pele: mãos que se apertam e percorrem, afagos que se aventuram, bocas que se encontram, sensações que se sabem de cor e se querem inesgotáveis, corpos à beira de explodir ansiosos, tanta fome e tanta sede, liberdade e pudor, impaciência e timidez, contenção e promessa, tudo a renovar-se e a tornar-se ilimitado a cada momento, repassado de uma doçura que nenhumas palavras conseguem descrever.

A quinta saudade é a da vida prática do dia-a-dia, ideias e projectos, tentativas e certezas, coisas que têm conta, peso e medida, espessura, ritmo, existência concreta, efeitos reais, coisas que são vão criando porque se está a remar na mesma direcção e se tem a consciência disso, coisas que são reciprocamente induzidas e aperfeiçoadas, combinações de risco e de bom senso que se sente que resultam graças a esse empenhamento e a uma alegria da seriedade com que são postas em andamento.

A sexta saudade é a que faz com que um esteja sempre a falar com o outro e a fazer parte dele, a respirar nele e a existir nele, veia a veia, fibra a fibra, tecido a tecido, músculo a músculo, a ter de dizer-lhe sempre do seu amor das maneiras mais variadas e a propósito das situações mais diversas, com efeitos de luz e sombra, veemência e desvario, ansiedade e contentamento, sem nunca querer ou ser capaz de distinguir esse amor da própria vida e a só conseguir ser feliz assim.
A sétima saudade é a mistura transbordante de todas as anteriores, criando uma dimensão em que cada uma delas leva a todas as outras e recupera todas as outras, como se estivesse a olhar um caleidoscópio, ou como se estivesse dentro dele e se fosse parte activa desse universo de reflexos interactivos, de brilhos, jogos de espelhos, formas coloridas, tempos sempre em mutação, espirais alucinantes mas invariavelmente ancoradas no coração das coisas e no coração propriamente dito e uníssono: é uma saudade que funciona como uma espécie de cursor no tempo, deslizando para trás e para a frente, girando em todas as direcções, revivendo as anteriores, inventando as próximas, entrançando umas e outras, agarrando-se a esperanças, sobressaltando-se com acasos, e sofrendo, sofrendo, sofrendo, só de pensar que se pode estar a uma distância de dias ou de apenas umas horas. "
Vasco Graça Moura in "Meu amor, era de noite"

1 comentário:

  1. Saudade!
    Ai que saudade de Mogadouro
    Da minha infânçia
    Da minha passagem por esta vila
    Do cheiro!Do aroma...
    Mogadouro,terra linda.
    Terra de recordações
    De grandes brincadeiras,
    De grandes paixões.
    Da Nossa senhora do Caminho!
    Das pessoas!Do carinho.
    Tomara eu regressar
    Ao tempo de minha infânçia
    Mogadouro,ía abraçar
    Com grande esperança
    De um dia sempre Voltar

    Francisco Jose Frazão Rebelo Calejo Pires

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